quinta-feira, 7 de março de 2013

 
 
Zahidé Lupinacci Muzart
    
 
Escreve:

 

Uma feminista paranaense:
 
Mariana Coelho


 

Neste 8 de março de 2013, gostaria de homenagear uma grande feminista, a "paranaense" Mariana Coelho.

Na história do feminismo brasileiro, deve-se inscrever o nome de Mariana Coelho, uma das primeiras mulheres a tentar traçar uma história pouco contada. Nasceu em Portugal e, em 1892, deixou para sempre a Europa, vindo a radicar-se em Curitiba.

Educadora emérita, foi mestra de várias gerações de paranaenses. Fundou e dirigiu, em Curitiba, seus próprios estabelecimentos de ensino: o Colégio Santos Dumont, para o sexo feminino, e a Escola Profissional República Argentina. Nesta escola, manteve-se como diretora até aposentar-se. Faleceu em 1954.

Como escritora, deixou obra importante (seu livro Paraná mental, por exemplo, que traça a história literária de seu estado de adoção, mereceu medalha de prata concedida por um júri na Exposição Nacional, realizada em 1908, no Rio de Janeiro) e, sem dúvida, farta: livros de contos, de poesia, de estudos de história da literatura, traduções, muitos artigos em periódicos, além do importante ensaio sobre feminismo, Evolução do feminismo, reeditado em 2002, pela Imprensa Oficial do Paraná.


Sua poesia, toda publicada no final do séc. XIX, e reunida em livro em 1940, expressa sentimentos que tendem mais para o amor universal do que para o amor romântico. Criou, em sua poesia, uma metáfora, o mar de amor, que representaria o amor à Humanidade, o desejo iluminista do progresso humano condicionado à aquisição da cultura, da instrução.

Porém mais do que na literatura, é no ensaio polêmico que sempre se distinguiu Mariana Coelho, gênero em que as mulheres deixaram poucas páginas no séc. XIX. Mesmo que desde os primeiros periódicos feministas, como o Jornal das Senhoras, fundado e dirigido por Joana Paula Manso de Noronha, em 1852, houvesse um programa de luta pelos direitos da mulher, a forma neles utilizada para apresentação dessas idéias é bem outra, muito mais velada e tímida. O ensaio, como gênero masculino — porque expressava e defendia idéias —, raramente estava ao alcance das mulheres. É somente a partir do séc. XX que elas passam a explorar ensaios de cunho político e ideológico.

Na prosa, pois, Mariana Coelho é, sobretudo, doutrinadora, como o provam os vários textos de teor substancialmente combativo que publicou, desde o final do séc. XIX, em jornais: artigos sobre os jovens, sobre a violência e sobre as lutas pelas mulheres. Feminista respeitável e uma grande observadora da vida das mulheres, deixou livros e artigos em defesa de suas crenças, demonstrando ter vivido, ao longo dos seus dias, uma batalha incansável.

No feminismo do Paraná, sobressaiu-se, pois, esta voz insurgente de feminista convicta, tendo publicado A evolução do feminismo, peça rara e bizarra no Brasil da época, em 1933 — portanto, 16 anos antes de O segundo sexo, que é de 1949. Este livro corresponde a um trabalho alentado de pesquisa e de grande erudição, que se inclui na área da História, já que Mariana Coelho, ao fazer um retrospecto do movimento feminista em todos os países do Ocidente e até mesmo alguns do Oriente, traça uma verdadeira e lúcida narrativa dos fatos relativos ao movimento. Traz à luz dados importantes e registra a atuação de muitas mulheres que se notabilizaram na luta por seus direitos, sobretudo pelo direito ao voto.

Em todos os capítulos do livro A Evolução do Feminismo: subsídios para a sua história, Mariana Coelho busca fazer um panorama do tema estudado. Comenta a presença da mulher na religião, seu civismo durante a guerra, a razão de ser da mulher na política e na administração, bem como nas ciências, nas artes e nas letras, sua atuação na imprensa e, finalmente, a mulher e o amor.

Com o objetivo de contribuir para a história do feminismo, destaca-se no livro a luta das sufragistas pela conquista dos direitos políticos. Fundamentada em teorias dominantes no final do século, traindo sua filiação positivista, a autora, em sua primeira frase, retoricamente se pergunta e responde:

Por que somos feminista? [...] Eis uma pergunta ingênua de que várias vezes temos sido alvo, por parte do sexo masculino. Respondemos: porque é impossível a realização do progresso sem a vitória da evolução; e o nosso fim principal é precisar e fomentar o progresso feminino.

Como texto engajado, como texto de luta, ainda pode impressionar-nos hoje, pois já no século XXI, nem de longe, ainda, nos libertamos dos flagelos a que ela se refere, sobretudo o das guerras. O feminismo de Mariana Coelho nasceu de seu altruísmo, de seu “mar de amor”, pois preocupada com o futuro dos povos, atirados em guerras sangrentas, preconiza antes de mais nada a paz. Daí que seu feminismo está profundamente entranhado com esta causa e, ao lê-la, conclui-se que a paz não pode vir senão pela procura da felicidade de todos, ou seja, os miseráveis terão de ter um lugar à mesa de banquete dos ricos. Idéias, como se vê, extremamente atuais e até hoje, deploravelmente, não conseguidas.
 
 
Zahidé Lupinacci Muzart - Doutora em Letras pela Universidade de Letras e Ciências Humanas de Toulouse, França, em 1970. Professora titular aposentada da Universidade Federal de Santa Catarina, continua trabalhando no curso de Mestrado e Doutorado em Literatura da mesma universidade. Editora da revista de literatura, Travessia, da UFSC, de 1980. a 1993. Dentre os números organizados sobre estudos sobre mulher e literatura, destacam-se os números 14, Clarice Lispector, 21, Mulher e Literatura e 23, Escritoras do século XIX. Organizou inúmeras exposições literárias em Florianópolis na UFSC, no Museu Cruz e Sousa e na Biblioteca Pública tais como A mulher na literatura catarinense, Dez anos sem Lausimar Laus, Machado de Assis, Cruz e Sousa, Periódicos antigos, entre outras. Foi coordenadora do Curso de Pós-Graduação em Literatura Brasileira, por duas vezes. Pesquisadora do CNPq, coordena projeto integrado sobre as escritoras brasileiras do século XIX. Coordenou o primeiro evento intitulado Fazendo gênero, na UFSC, em 1994 que se vem realizando desde então. Publicou os livros Cartas de Cruz e Sousa e Cruz e Sousa, Poesia Completa (Pesquisa de inéditos e organização), Tempo e andanças de Harry Laus (org.); Escritoras brasileiras do século XIX.

Um comentário:

  1. O legado de Mariana Coelho foi mais que suficiente para a fundação, na Cidade do Rio de Janeiro, da Associação Educacional Mariana Coelho. Tal entidade vem buscando pesquisar, em Portugal, em primeiras investigações, as origens da escritora, em Trás-os-Montes, a quinta de sua família, a cultura do vinho e o despertar de Mariana Coelho para a necessidade de evolução da humanidade... é uma pesquisa fascinante que ajuda a entender sua obra e seu pensar. Leonardo Iorio

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