quinta-feira, 7 de março de 2013


Autoras Negras Baianas em Cena
 

Ana Rita Santiago



 


O livro Vozes Literárias de Escritoras Negras, de Ana Rita Santiago, publicado recentemente pela Editora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (EDUFRB), apresenta leituras descritivo-interpretativas de trajetórias, prosas e poéticas das autoras negras baianas Aline França, Angelita Passos, Elque Santos, Fátima Trinchão, Jocélia Fonseca, Mel Adún, Rita Santana, e Urânia Munzanzu. O texto enfatiza traços de identidades, memórias individuais e coletivas, autoria, escrita e cuidado de si/nós presentes em suas poéticas e narrativas, salientando suas formações discursivas como práticas de (des) silenciamento de suas vozes autorais, visibilização de africanidades, ressignificações de suas vidas, legados culturais negros e de estratégias de descolonização, descentramento e de desautomatização de sujeitos poéticos e ficcionais.

A autora se apoiou na ideia de que memórias, lembradas e ficcionalizadas por escritoras negras baianas, em meio às relações de poder e de saber, auto-constituem, auto-interpretam e tensionam discursos sobre identidades com marcas fixas e singulares e, ao mesmo tempo, recriam histórias, sonhos e experiências coletivas, desvendando mundos, sem perder de vista o fruir do prazer estético advindo de narrativas. Além disso, ela considera que vários eus são encenados, destacando-se o eu autoral e o eu ficcional, posto que vozes e personagens têm marcas autobiográficas. Esses pretensos eus (referenciais e ficcionais) se mesclam em tramas e poéticas, evidenciando a interface entre o real e a ficção e problematizando o binarismo fato e ficção, tendo em vista a criação de uma textualidade em que elas, juntamente com suas personagens e vozes, se constituam e se tornem femininas negras.

Assim o livro traz análises de marcas discursivas da literatura afro-feminina, no que se refere ao rompimento com representações e discursos literários em que figuram vozes, universos e personagens negras com perfis subalternizados. Afirma que a produção literária dessas escritoras pode minar processos de coisificação, pois vozes se erguem, perspicaz e agudamente, contra estereótipos, estigmas, discriminação e visões exóticas, colonialistas que ainda passeiam em trânsitos literários.

No livro, há a constatação de que as autoras empoderam-se da escrita, com riscos de jogos de resistências, poderes e saberes, experiências, afetos e desafetos, lembranças, memórias e esquecimentos, sonhos, solidão e angústias como possibilidades de (re) invenção de si/nós. O compromisso com recriações de femininos e feminismos vislumbra projetos de novas mulheres negras e outros modos de ser mulher, cantados e ficcionalizados. Em tons denunciadores, afirmativos, idealizados e desconstrutores, suas personagens e vozes se apresentam comprometidas com o avivamento de emancipação, de tradições africano-brasileiras e de suas africanidades, sem, contudo, perder de vista frustrações, pesares, sofrimentos, dores, mortes e angústias que lhes acompanham.

Na palavra literária dessas escritoras circula uma visão de feminismos negros que extrapola aquele entendimento de sua pertinência apenas pelo viés do coletivo e pelas agendas e inserções em organizações sociais negras femininas. Nela não há um tom de conclamação por união de vozes femininas reivindicativas em prol de conquista de emancipação e de direitos civis e políticos. Tampouco são vozes literárias que denunciam explicitamente as diversas formas de exploração, a que, historicamente, se subjugam as mulheres, ou de protestos contra a dominação masculina. Há, ao contrário, uma compreensão de feminismo negro, comprometido com mudanças nas relações étnico-raciais e de gênero, que se opera nos embates e convívios cotidianos, no ordinário das relações entre homens e mulheres. Os eu poéticos femininos negros mostram-se afeitos a forjarem mudanças de identidades femininas negras em práticas socioculturais habituais. É, no âmbito do espaço privado, das relações afetivas e pessoais, portanto, que se operam as formas de resistências e as insurgências contra as práticas falocêntricas, racistas e etnocêntricas, como também se realizam ações de disputas de poder. Fazer poéticas afro-femininas, com esses tons, circunscrevem cantos, sonhos, experiências e visões de mundo, bem como se (re) inventam identidades negras femininas e suas conquistas de autonomia, uma vez que garante um direito à fala poética que tem ânsia, ainda que imaginária, por liberdade, reconhecimento, contestação e transformações.

A leitura de Vozes Literárias de Escritoras Negras possibilita aos/às leitores/as a compreensão de práticas discursivas e de assenhoramento da escrita de autoras negras baianas; suscita rasuras sobre ditos que subjugam sua produção literária, e, a um só tempo, faz provocações (contraditos) relacionadas às representações depreciativas e erotizadas de mulheres negras na literatura brasileira. Ademais, esse livro, além de forjar uma antologia de escritoras negras baianas contemporâneas, motiva o surgimento de outras pesquisas e estudos acerca da literatura afro-feminina no Brasil e fortalece possíveis diálogos entre a literatura e outras áreas artísticas e de conhecimento, diminuindo, quiçá abolindo, o distanciamento entre o vivido e o inventado.




http://www.ufrb.edu.br/editora/index.php/titulos-publicados


Vozes Literárias de Escritoras Negras
Autora:Ana Rita Santiago
Ano: 2012
O livro apresenta leituras descritivo-interpretativas de trajetórias, prosas e poéticas das autoras negras baianas Aline França, Angelita Passos, Elque Santos, Fátima Trinchão, Jocélia Fonseca, Mel Adún, Rita Santana, e Urânia Munzanzu. O texto enfatiza traços de identidades, memórias individuais e coletivas, autoria, escrita e cuidado de si/nós presentes em suas poéticas e narrativas, salientando suas formações discursivas como práticas de (des) silenciamento de suas vozes autorais, visibilização de africanidades, ressignificações de suas vidas, legados culturais negros e de estratégias de descolonização, descentramento e de desautomatização de sujeitos poéticos e ficcionais. A leitura de Vozes Literárias de Escritoras Negras possibilita aos/às leitores/as a compreensão de práticas discursivas e de assenhoramento da escrita de autoras negras baianas; suscita rasuras sobre ditos que subjugam sua produção literária, e, a um só tempo, faz provocações (contraditos) relacionadas às representações depreciativas e erotizadas de mulheres negras na literatura brasileira.
Preço: R$ 20,00

3 comentários:

  1. Muito lindo!! Quero ter acesso ao livro, sabe como faço, Rita?
    Beijos!!

    P.S.: O blog tá ficando uma belezura!

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  2. Obrigada, Fátima! Vou perguntar a Ana onde conseguir o livro mais facilmente, mas há um link acima com informações também. Divulgue os textos e as produções dessas escritoras. A construção que queremos é árdua! Requer labuta! beijos!

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  3. As barcaçasestão abertas para você, Fátima!

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