domingo, 5 de dezembro de 2010



 




                                        AI DE MIM!
                                                          Rita Santana



Deu de abrir comissuras na minha pele,
Porque ele partiu.
E nunca mais voltou pra minha alcova,
Pro meu convento de moça,
Pra minhas paúras,
Pra minhas pioras de noiva,
Pros meus pincéis de Almodóvar,
Pra minha cova roxa.
Eu fico esperando volta.
Ai de nós, mulheres feias!
Ai de nós, mulheres tortas!

Deu de abrir fissuras na minha boca,
Porque ele partiu.
E eu fiquei oca,
Fiquei seca,
Virei louça,
Vivi morta.
Ai de nós, mulheres feias!
Ai de nós, mulheres tortas!

Deu de abrir fendas no amor,
Porque ele partiu,
E nunca mais voltou.
Eu sucumbi ao sol:
Comi calêndulas,
Girassóis feridos,
Flores de abóboras,
Serpentes de vidro.
Abri a porta e gritei:
Ai de nós, mulheres feias!
Ai de nós, mulheres tortas!




 

3 comentários:

  1. Que forte esse seu poema cheio de fissuras e ocos escuros e recolhimentos. A imagem das calêndulas sendo mastigadas com a dor da rejeição, os girassóis feridos, as flores de abóbora...
    esse tema das mulheres "feias" me emociona de um tanto, Rita. A submissão cruel aos valores do "belo e desejável", cada vez mais corrosivo
    em se tratando das mulheres. às vezes a gente se olha e diz: dê graças por ser "ajeitada", caso contrário seria ainda pior...
    salve, poeta! Minha admiração

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  2. sim...o título do poema faz jus;
    tem mulheres que vivem uma tragédia grega sem fim. Mais uma vez eu digo: um grande poema, Rita.

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  3. vc tem o dom da poesia
    o dom da coragem
    e essa malícia feminina
    simplesmente inebriante
    sinto-me um menino bobo
    ao ler suas letras...
    percebo que serei apenas
    seu eterno aprendiz...rs
    grande prazer reencontrá-la

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