sexta-feira, 22 de março de 2013

Eliana Mara Chiossi
 
 
 
             A roda



  
Deixo cair um pingo colorido
na folha branca
e este é meu ponto de partida.
Finco neste ponto, exato,
uma estaca e
faço um giro prévio com a corda nova.
Ao redor deste mundo, recém desenhado,
fecho os olhos
para que os pés encontrem as fronteiras.
Eu sou a minha própria mãe
e crio também uma imagem para o pai
que serei
um dia.
Sou agora a deusa dos metais
e vou forjando
no calor intenso
escudo, lança e flechas.
O ventre está seco,
aprendo a sonhar com as guerras.
Retiro os livros que contam histórias
de mulheres quietas
esperando boiarem feijões defeituosos
esperando que o vento
esperando que o sangue
esperando que o homem.

Na hora do parto,
uso a faca afiada e
me separo,
em duas.
E estas, multiplicadas,
até chegarem ao número necessário
de um exército
sem memória
sem choro
sem lamentos
sem bordados imóveis.

Um exército de outras
mulheres
que sou,
até que eu não veja mais o horizonte
coalhado de cópias de mim mesma,
para seguir
em formação militar
em busca dos livros
das cantigas
dos mitos
onde
uma mulher adormece
uma mulher espera
uma mulher grita
uma mulher grita
uma mulher grita.

E eu, e elas todas que sou,
marchamos,
prontas para habitar outra ficção
outro começo
vamos agora
divertidas
querendo ditar mais de dez mandamentos
querendo deixar os cabelos crescerem antes de sermos crucificadas
querendo dividir os mares todos ao meio
querendo dominar a divisão dos quartos das espécies que residirão na arca.

Nossa história,
na língua nova que criaremos,
começará assim:
no início havia uma mulher e seu umbigo,
e ela começou a criar navios
e por isso inventou os mares
e pediu luz para suas navegações.

No início, era escuro.
Mas elas chegaram, armadas.
E gritaram o mundo outra vez.


Rio de Janeiro, madrugada, Eliana Mara Chiossi



 
 

2 comentários:

  1. Esta iniciativa do Barcaças é muito linda. E estou feliz por ter chegado aqui.
    Beijos em todas as que participam.
    Feliz iniciativa, Ritinha!

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  2. Belíssimo presente é o seu poema! Que permancece na pele e no desejo. A festa é coletiva. Obrigada por ter querido embarcar!

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