O homem que Sabia a Hora de Morrer
Adelice Souza
O meu avô sabia a sua hora de morrer. Eu não sei a minha.
Isso de saber a hora de morrer será coisa de Deus ou do diabo? Meu avô sempre foi homem de fazer do bem, mas não se sabe. Tem diabo nas pedras e tem Deus nas pedras também. Se a pedra está no meio do caminho, e nela, alguém escorrega, cai e se machuca, pode ser uma pedra do diabo. Uma pedra, na beira do rio, onde se estende a roupa para quarar, pode ser uma pedra de Deus. Mas pode ser pedra do diabo também, se alguém dela desliza e quebra uma perna, um braço, um dente. Quando eu quebrei um dente, o dente da frente, achei que era uma artimanha do diabo, futucando minha vaidade, só para ver o que eu faria. Não conseguia ir ao dentista sem sofrer, sem chorar amarga e silenciosamente o dente perdido para sempre, a dor do irrecuperável. Depois, mas muito, muito depois, percebi o que acontecera comigo sem o dente. E que o dente novo propriamente dito – feito de cerâmica, marfim, vidro ou amálgama – não ficou muito diferente do outro, do original. E que o espaço vazio da perda do dente foi preenchido por coisas mais importantes do que possuir um dente verdadeiro. Coisas de sensibilidades, de vastidões, de Deus. Então, aprendi que até o que, inicialmente, é muito claro e óbvio ser coisa do diabo, pode muito bem não o ser. Inversões. Em toda coisa vivente, há os dois, Deus e diabo. Às vezes, juntos: farinha no mesmo saco. Às vezes, separados: dedos das mãos. Outras vezes, juntos e separados: farinha no mesmo saco, dedos das mãos.
(Esse livro de Adelice Souza trata de forma suave e grave um dos problemas da vida-
a morte. Ter um avô que sabia a hora de morrer, é um tema que
fascinaria um Hemingway, um Dostoievsky e outros que tais. Vejam esse
trecho:
"Além do meu avô que sabia morrer, eu tinha um outro avô. E mais duas avós. Mas a natureza tinha feito uma injustiça muito grande com eles: nenhum dos três sabia a hora de sua morte. E ter um dos avós que sabia a hora da morte eclipsava os outros três. É assim a natureza" De: Affonso Romano Santanna)
"Além do meu avô que sabia morrer, eu tinha um outro avô. E mais duas avós. Mas a natureza tinha feito uma injustiça muito grande com eles: nenhum dos três sabia a hora de sua morte. E ter um dos avós que sabia a hora da morte eclipsava os outros três. É assim a natureza" De: Affonso Romano Santanna)
muito bom esse texto! que o livro dela seja um sucesso!!
ResponderExcluirbeijos, Rita!
Beijos, Andrea! Estamos ligadas no lançamento e na escrita de Adelice! Ela escreve muito lindamente!É retada!
ResponderExcluirO texto nos possibilita muitas viagens. Muito bom! Ester Reis
ResponderExcluirO texto nos possibilita muitas viagens. Muito bom! Ester Reis
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