quinta-feira, 12 de abril de 2012

Áfricas: Rasgos e Fiapos de Lembranças e Memórias













Voltei, não Fui
Ana Rita Santiago


Chegar ao continente africano foi retornar ao rizoma inicial. Dele vim e para ele voltei! Nele estão meus/minhas ascendentes e ancestrais. As sensações e emoções (muitas vezes, indescritíveis e ininteligíveis, embora intensas, densas, plenas e satisfatórias) não foram carregadas de estranhamentos, mas de quem “à casa torna”. 
Em Áfricas tem histórias, lugares, paisagens, faces, espíritos, ancestres, sabores, costumes, ritos, culturas, cheiros, marcos, pessoas, grupos etc. que dizem de mim/nós e de afrodescendências e tantos outros que dizem dos múltiplos africanos. São rastros de memórias individuais e coletivas (in) conscientes espalhados pelos céus, mares, terras, ruas, pessoas, patrimônios, fauna, flora, pois, às vezes, percebi-me ciente de histórias, lembranças, similaridades, diferenças e, em outros momentos, apenas pairaram sentimentos de que estava vivendo (re) encontros. 


Vivi, em Áfricas, envolvida por situações, pessoas, sensações, pensamentos, expressões linguísticas, histórias, sabores, cheiros que continuamente revolviam, conforme sentido atribuído por Foucault e Deleuze, lembranças e memórias vividas e (re) inventadas por mim/nós. Xima! Ah! O Xima! Um prato típico de Joanesburgo, em África do Sul, e de Maputo, em Moçambique. Xima! Uma espécie de farinha (feita de nosso milho branco) com que se prepara uma espécie de pirão (Xima) que acompanha as carnes nas refeições. Ah! O Xima me (re) aproximou dos acassàs, dengué do meu Ilê. 

E o Matapa (palavra que tem grafia e sonoridade similares a nossa vatapá, derivada da língua bantu), feito com uma folha semelhante àquela de mandioca, com que fazemos a maniçoba, amendoim pilado, coco etc.? Ah! O Matapa tem um cheiro sedutor! Não pude saboreá-lo tampouco aos imensos camarões (com extensão de quase 50 centímetros), devido à rejeição do meu corpo aos frutos de mares e rios, dentre eles, aos crustáceos.

Oceano Índico de águas escuras. Ah! Seus mares e praias! Diferentes na cor e tão lindos quanto a Oceania na Bahia. A orla de Maputo, lotada em uma tarde de domingo, lembrou-me de nossas praias populares em Salvador!

E a diversidade de mangas também encontradas na Bahia, sobretudo em Salvador, na Ilha de Itaparica, em Santo Antonio de Jesus e no Recôncavo? E ter reencontrado, no Jardim Zoológico de Maputo, o abiu, uma fruta muito presente na minha infância e de minhas irmãs, hoje quase inexistente em Santo Antonio de Jesus. E os variados tipos de amendoim com tão semelhantes sabor e cheiro? Ah! O piri-piri, uma das pimentas com que se faz um molho picante semelhante àqueles das baianas vendedoras de acarajé, aos que acompanham nossas feijoadas, moquecas e xinxins e aos que fazemos em nossas casas! Nosso ata no Asè! 

Identidades e diferenças! O som forte dos tambores e a percussão tão dançante e estonteante, tão parecidos, mas também tão originais e singulares! Similaridades e distanciamentos! Como me lembrei da percussão dos blocos afros, afoxés, de diversos/as artistas negros/as e estilos de músicas negras da Bahia e do Brasil! Como me recordei dos toques de nossos atabaques que ruflam em comunidades de asè e nos fazem experimentar Deuses/as-conosco!

Vivi, em alguns momentos, sentimentos e experiências míticas e místicas bem semelhantes àqueles já advindos do meu convívio com Orisàs em comunidade. O inusitado disso é reconhecer que o mistério desse movimento se dá em África do Sul e Moçambique, longe de países e regiões de onde derivam o culto e as divindades africano-brasileiras e, ao mesmo tempo, próximo do continente que cultua seus/as antepassados de modo e linguagens peculiares e diversas, inclusive nesses países.

Para a ancestralidade e a espiritualidade, de fato, não há lugares marcados e restritos! Há sim várias mães terra, cotidianos, naturezas e seus elementos onde se manifestam e se desenvolvem. Há sim fé, experiências do divino e de divinizações em nós humanos/as e profanos/as, mas também moradas dos/as múltiplos Sagrados/as em nós.

Como me esquecer do pôr do sol e mais ainda da emoção ao vê-lo, em Nkobe, um bairro de Matola, cidade que compõe a Província de Maputo, em Moçambique, substituído por uma lua cheia (de cor vermelha) esplendorosa? Sem entender (e sem querer justificativa), vivi profunda sensação de (re) encontro e de contentamento comigo/conosco, com energias, ancestrais e movimentos interior e exterior similares àqueles que vivencio no cotidiano nas relações em comunidade e com os Orisàs.

Andar e estar pelas feiras livres e mercados (que são muitos!) em Maputo e em Matola, a uma temperatura de mais trinta graus, fora uma oportunidade ímpar de conhecer mais de perto, dentre outros, a cultura e o sabor da culinária local, a agricultura de subsistência e de cruzar traços culturais. Estar nas feiras proporcionou inclusive estabelecer relações com pessoas, socializar histórias, desejos, preocupações, informações, compreendendo proximidades e distâncias entre nós.

Indubitavelmente não fui uma estrangeira em Áfricas, mas parte da grande cabaça. Apesar de rapidamente ser identificada como uma brasileira, facilmente fui acolhida como nós/outros e reconhecida como uma afrodescendente, parte do Aiyê africano, logo filha da Mama África. Afinal, daqui vim, apenas retornei não é?




Profa. Dra. Ana Rita Santiago - Centro de Formação de Professores - (CFP)
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB)


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