Quando nasceu, o médico disse:
nasceu uma miss.
Com sorte, contrariou a profecia
mas nasceu mulher, isso se via.
E contra fatos há argumentos
'menina bonita da perna grossa
vestido curto papai não gosta'.
Foram muitos os ensinamentos
sentar de pernas fechadas
não ser muito justa a saia
não brincar de ousadia
fechar a porta, Maria,
que o boi já vinha.
A avó lhe pedia
em cartões cheios de anjos
pra ser sempre uma boa menina.
Nem sempre ela podia.
nasceu uma miss.
Com sorte, contrariou a profecia
mas nasceu mulher, isso se via.
E contra fatos há argumentos
'menina bonita da perna grossa
vestido curto papai não gosta'.
Foram muitos os ensinamentos
sentar de pernas fechadas
não ser muito justa a saia
não brincar de ousadia
fechar a porta, Maria,
que o boi já vinha.
A avó lhe pedia
em cartões cheios de anjos
pra ser sempre uma boa menina.
Nem sempre ela podia.
Não é só por minha culpa
que meus olham sempre encharcam,
bebo em minha alma
o gosto do mar.
Minha mãe e minhas tias
a mim confiaram o legado
de carregar no rosto
águas ancestrais.
Contaram-me que minha avó
inundou uma xícara de lágrimas
para banhar os olhos cegos
de seu filho recém-nascido
como mandou Nossa Senhora
também mãe, também Maria,
em sonho abençoado.
O menino chorou, comovido,
quando as águas salgadas de sua mãe
encharcaram seus olhos,
porém continuou cego
e em pouco tempo morreu,
a despeito da fé.
Minha avó até hoje chora
e apara suas lágrimas em xícaras
para molhar a minha voz,
de minha mãe e minhas tias.
que meus olham sempre encharcam,
bebo em minha alma
o gosto do mar.
Minha mãe e minhas tias
a mim confiaram o legado
de carregar no rosto
águas ancestrais.
Contaram-me que minha avó
inundou uma xícara de lágrimas
para banhar os olhos cegos
de seu filho recém-nascido
como mandou Nossa Senhora
também mãe, também Maria,
em sonho abençoado.
O menino chorou, comovido,
quando as águas salgadas de sua mãe
encharcaram seus olhos,
porém continuou cego
e em pouco tempo morreu,
a despeito da fé.
Minha avó até hoje chora
e apara suas lágrimas em xícaras
para molhar a minha voz,
de minha mãe e minhas tias.
De moderna não tenho nada.
Nem quero ter.
Quero ter é tempo
quando menstruar
esperar o sangue correr
formar uma poça
fazer desenhos
e escrever promessas de mulher.
Nem quero ter.
Quero ter é tempo
quando menstruar
esperar o sangue correr
formar uma poça
fazer desenhos
e escrever promessas de mulher.
Escrevo nomes
como quem passa batom
e pinta de vermelho
a boca
talvez porque sofra
desse destino
de me balançar
em rede tão fina.
Escolho pernas
cruzo e descruzo palavras
prolongo sílabas e olhares
E porque quero dançar
procuro poesia
no céu da sua boca.
As palavras
doidas pra tecer mistérios
confundo lábios e letras.
como quem passa batom
e pinta de vermelho
a boca
talvez porque sofra
desse destino
de me balançar
em rede tão fina.
Escolho pernas
cruzo e descruzo palavras
prolongo sílabas e olhares
E porque quero dançar
procuro poesia
no céu da sua boca.
As palavras
doidas pra tecer mistérios
confundo lábios e letras.
Senhora das terras sangrentas de marte
amolo no esmeril a faca cega da paixão
o que amorteço queda em mim
feito chuva fina.
Quem eu sou e quem eu era
cabem no mesmo espelho
no mesmo rosto
no mesmo peito.
Mas não me reconheço
some a memória de mim
bicho escroto me devora
não entendo mais agora.
Cato meus pedaços
me colo com rio
terra, lama, mangue
quero a pele molhada (d’água)
o cabelo de terra, folha, graveto
quero ser árvore.
Minha boca é santa
pela boca tanta
loucura, doçura, sofreguidão
não minto e não digo a verdade
me gasto muito para viver
gasto muito papel para escrever.
Amanhã faço tudo direito
hoje vou dormir com os pés sujos.
amolo no esmeril a faca cega da paixão
o que amorteço queda em mim
feito chuva fina.
Quem eu sou e quem eu era
cabem no mesmo espelho
no mesmo rosto
no mesmo peito.
Mas não me reconheço
some a memória de mim
bicho escroto me devora
não entendo mais agora.
Cato meus pedaços
me colo com rio
terra, lama, mangue
quero a pele molhada (d’água)
o cabelo de terra, folha, graveto
quero ser árvore.
Minha boca é santa
pela boca tanta
loucura, doçura, sofreguidão
não minto e não digo a verdade
me gasto muito para viver
gasto muito papel para escrever.
Amanhã faço tudo direito
hoje vou dormir com os pés sujos.
Cigarras
Cigarras são palavras femininas
mas é no abdome do macho
que os timbais implodem.
O canto estridente masculino
convida as fêmeas para a morte.
A lamúria das cigarras
é só dos machos.
Será remorso?
O grito cortante
lamenta as ninfas que descem
e se enfiam, e se escondem e se enterram
para em silêncio sugar
a seiva das raízes.
As cigarras ignoram suas asas
grandes, transparentes e bordadas,
agarram-se aos troncos e galhos
para espalhar em uníssono
seu canto doloroso e amargo.
Ao entardecer,
hora mais triste do dia,
os machos choram
até rebentar minhas costas.
Sob o canto lancinante
das cigarras
eu e as lobas uivamos
dolorosas.
Foto de Martha Galrão: Haroldo Abrantes.
Foto da flor: Rita Santana
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