segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Lande Onawale: Um Griot de mim, de nós...



  

CORAÇÃO SUBURBANO


o meu coração não quer
ser completamente urbano
não
pulsa pop, pós-moderno
baile funk de salão
mas se larga à beira-mar
lacrimando uma canção de amor
mariscando sensações
ruminando o tempo
(todo tempo interior
que eu me possa permitir)

batendo no peito do povo de keto
meu coração brilha
para o mundo ver
e volta sempre à mesma trilha
lenta
                            de trem no trilho
volta sempre pra você

meu coração de subúrbio
quer o plus metropolitano
sem os adereços violentos
que lhe tirem o ar provinciano
sem aquelas coisas mais (demais)
que lhe turvem o céu
ou em que possa sucumbir

meu coração suburbano
gosta das luzes da cidade
da distância        da cidade
dessa possibilidade...   




          



Um Griot de mim, de nós...

          Algum tempo atrás quando voltei para esta Bahia plena de beleza e contrastes, conheci um jovem escritor cuja verve me chamou atenção por esgrimir belos versos, cheios de efeitos e, sobretudo, poesia. Sou da geração de escritores que retomou a saga de Solano Trindade, e no final dos anos setenta inaugura o que hoje se chama Poesia Negra Brasileira, objeto de muitas discussões e contestações por alguns, que não aceitam que um povo possa exercer seu direito de contar suas experiências e desejos através de uma expressão tradicionalmente  restrita a  elite branca brasileira.

          Passaram-se alguns poucos anos durante os quais o sempre presente escritor criava e trazia aos negros baianos, expressões e textos de profunda empatia e deliciosa pujança. O poeta sugeriu certa feita, que como instrumento de combate ao racismo, que insiste em permear nossa sociedade: “... beije sua preta em praça pública”. Singela manifestação de carinho para com nossas companheiras e de certo modo um atrevimento, pois ainda somos de alguns modos, invisíveis, apesar de maioria da população. 

           Hoje me chega às mãos este “Kalunga – poemas de um mar sem fim...”, com a responsabilidade de escrever sua apresentação. Confesso que fiquei muito preocupado haja vista não me considerar autorizado ou pronto o suficiente para comentar uma obra de um companheiro de tantas lutas e emoções.

           Kalunga, além de aglutinar versos de comprometimento com a causa negra, é dotado de uma santa poesia, nascente de águas e abebes e luta e ginga e dança, sem esquecer um momento sequer que tudo isso veio do outro lado do Atlântico, e foi aqui recriado e mantido por vezes guardado nos tesouros da memória.

           A escrita de Lande retoma com atualidade a missão proposta pelos meninos do CECAN, da Bela Vista, do IPCN, do MNU. Além, é a expressão de um poeta. Completo, maduro, na medida em que diz, sem ser panfletário. Um autor que se reafirma na força da fé, no Quilombo, enraizando falanges em pedaços de sonhos e esperanças.

          Kalunga  é memória, perpetuada em águas  e verdades como diz Lande.É ginga gostosa, é dança de guerra, é feitiço de um Táta, é memória de Griot, tomando a força da pena, reacendendo nos novos uma NEGRICE profundamente necessária ao futuro, do mesmo modo que vejo como urgente e precisa  a denúncia implícita em CANARINHAS DA VILA, pois o verso de Lande Onawale  tem o poder de transcender à metáfora e chegar rente aos ouvidos e consciência das novas gerações, com a carícia de harmonias irresolutas, lembrando que:

Nós que além de ar e barro somos água,
vos agradecemos Dandaluunda
pela tua parte que nos toca, e nos faz viver
e sermos mar
sermos rio
sermos chuva
e sermos deus

          Kalunga é a concretização da urgência e necessidade da bela poesia de Lande Onawale, e causa em nós, poetas daquela geração dos primeiros Cadernos Negros, a sensação de certeza na continuidade revigorada, haja vista que:

                                                    para cada agressão que nos fira
                                                   temos um ato de revolta que nos cura
                                                  para cada racista que delira
                                                 a bala
                                                da nossa pele escura
Versos que cada um de nós gostaria de ter escrito.
                                                                                         
José Carlos Limeira                                                                
  Poeta, Ogã Tanudê (Terreiro Rumpayme Ayono Runtologi)


 Fotos dos baobás: Chico Carneiro





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