BRINCADEIRA DE RODA
Rita Santana
Dediquei o dia aos versos.
Esqueci de pedir bênção a minha madrinha,
Por isso, tão cheia de fracassos
E cortada de mistérios.
O meu falar sério esconde mortes antigas,
Presságios.
Comi pedra, engoli sapos
E furtei, sem querer, cosméticos baratos.
Organizei movimentos heréticos
Com os meus gritos de gozo.
Em esforço brutal, saí com moços vazios
Só para ensinar-lhes silêncios e deixares.
Em troca, aprendi coisas de mulher
Que só homem ensina (sem saber).
Mas ninguém viu!
Ofertei-me à existência sem nada lhe pedir,
Só reconhecimento eterno.
Claro! Por ser assim tão cheia de graça, acanhada de vícios,
Assanhada por saias estampadas e perfumes masculinos.
Dou-te um dia para achares o meu nome inscrito
Entre túmulos de socialistas velhinhos
Nada há de mais doce no mundo
Que velhos socialistas velhinhos.
Dou-te um dia do meu destino,
Se achares meus versos colhidos ontem,
Por mãos de poetas anônimos.
Nada é mais fino
Que um poetinha anônimo.
Dou-te minha vida toda,
Se o anel de vidro não se quebra,
Se o amor que tens não se acaba,
Se o bosque solidão se alegra,
Se não me deres o ofício de professora.
Dou-te minha vida toda,
Se da areia, não vou para o sertão,
Se a sereia escuta o meu caso,
Se o aperto de mão ensina namoro.
Dou-te vida toda
Se a ciranda for rodada a meu favor,
Se a roda guardar o anel na minha mão,
Se a rosa não brigar nunca com o cravo,
E se, em Dona Miné, eu ganhar um beijinho e um abraço,
Então, dou-te tudo.
Foto: Rita Santana/Lençóis/Chapada Diamantina.
Gostei. Gostei. Gostei porque lembrei das rodas nas brincadeiras; das rosas juntadas nas trepadeiras; dos cravos mansos enfeitando lapelas;do anel de matéria espitual de amor, este nunca se quebra - este elo que há entre nós.
ResponderExcluirDe tudo o mais gostei de relembrar para dizer que lhe dou um beijo e um abraço fraterno porque sei que de volta terei você inteira, amiga, na sua poesia.
Você descobriu a pólvora com esse poema!
inté, querida.
Neuzamaria - www.neuzamariakerner.blogspot.com
Obrigada, Neuzamaria! Acho que você viu esse mistério óbvio da infância que nunca conseguirei traduzir, mas o poema é a tradução dessa tentativa. Esses olhos verdes são infernais (ou florestais?)! Beijos, minha querida queridíssima.
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