terça-feira, 22 de março de 2011


 

 

 

                         

 

 

                            MEUS ANOS

                                                                                   Rita Santana

 

No dia do meu aniversário,
O cinzeiro olhou-me à espera de cinzas.
Não tenho importância nenhuma, nunca terei,
Porque não temos.
Chove nitidez em meus olhos,
Meu coração definha, depurado,
Abrandado de desespero invencível,
O relógio intermitente funciona,
O telefone late, late e o que quero, senão, vida mais amorosa?

Meus amigos vieram de distâncias insolúveis,
O paredão de barro, com gaiolas,
Veio somente hoje, com os versos.
A alegria resolveu participar de uma maratona, descalça,
E nunca mais voltou.

Meus pais não entenderão razões pra ser tão triste,
O preço do gás jamais será o justo preço do gás,
O maior presidente do mundo quer cortar árvores
Para defender a floresta de incêndios,
As notícias recuaram o meu coração para um canto insólito,
As desordens afetivas reduziram meus anos de vida,
As batidas do velho tambor são um eco sem melodia alguma.

No dia do meu aniversário:
Não quis bolo, nem vela, nem palmas,
Nem nada - como sempre quero.
Trinta e três. Respire. Trinta e três.
O jeito seria dançar - pois que gosto mais - um tango argentino.
Mas quede o argentino que saiba dançar o tango,
Quede o pulmão esquerdo insatisfeito desde o nascimento?
O jeito seria sorrir, reinventar a vida no dia seguinte,
Esquecer da cruz grudada nos olhos do cinzeiro aceso,
Ir à praia, pensar em Pancetti,
Sorrir com o velho Bandeira na memória,
Chegar perto de Drummond,
Organizar panos de prato na gaveta,
Destruir ao lixo planos poéticos demais pra vida,
Ser poeta, hidratar o coração tão velho
E ainda assombrado com o mundo,
Vagar os olhos pelo que está perto,
E continuar. Ainda que, mesmo assim,
Uma menina de olhos arregalados.




 Foto: Edgard Navarro



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