quarta-feira, 15 de dezembro de 2010













                                             COITA INSANA
                                                               Rita Santana



A tua ausência ia muito além dos rituais da servidão.
Adolescia todas as horas do dia,
À espera do teu nome.
Eras, em vastidão, afinidade
E cata selvagem de ordens.
Dei-me às ofensas, aos rumores,
Aos distúrbios definitivos da memória.
Tudo perdi de reminiscências e aventuras.
Dei-me aos dardos, em busca da tua lâmina.
Fiz-me senhora das horas, dos lustres.
Do farejar da tua língua, fiz santuário de premonições,
De ritos e cânticos fiz minha espera.
Tua permanência era o meu desvelo de cega afoita,
Minha rede de heras no cio, meu dedilhar de cordas.
Eu era sede, ser e pão.
Esqueci-me de ser mulher, de ter carne, ossos e ânsias.
Tua permanência tardava e tua ausência era.
Dei de calar por horas, jejuando teu nome, tua alcunha.
Dei de manipular minhas partes, em querência do teu toque,
Grávida da tua ausência.
Dei de dar alegria pros homens da minha aldeia,
Pensando na arte de possuir teus vícios,
Tua poeira fincada em peles,
Tua avidez de macho banido, teu recolhimento em hóstias.
Ceia dos meus tormentos,
Dei de querer-te! Dei de querer-te!
Abutre, fiz meu desejo.
Dei de ser saliva e vulto,
De dar aos bardos maestria de fêmea,
De inventar punições aos restos, ciscos do ido.
Dei de maldizer a avidez dos insones,
Maldizer a lentidão das donzelas,
Maldizer a insensatez dos vencidos.
Dei de acender velas ao sol,
Querendo-as ainda mais quentes.
Dei de querer ser santa e fazer milagres da minha espera:
Quando chega a primavera, eu viro chuva
E saio a te buscar por toda a terra.





Foto: Henrique Andrade
Modelo: Rita Santana 
Poema do livro Tratado das Veias



Um comentário:

  1. isso, Rita, vire chuva e saia se esparramando
    pra desentorpecer essas almas em coma.
    que a poesia te leve sempre chovendo nessa aridez que não tem fim, cruzes!

    abraço fraterno e barcaças ao mar!

    ResponderExcluir