sexta-feira, 8 de março de 2013






ÂNGELA VILMA









 
Mulher,
 

Sou do signo de escorpião, com ascendente em libra e lua em peixes: mulher, infinitamente. Meus gestos, meu choro e meus vestidos; minha alma, meus gemidos, meu destino: tudo converge para o feminino. Não sei fritar um ovo, meu arroz e meu macarrão são defeituosos; mas sei ver-te ainda moço, tocar as linhas de tua mão e as raízes de teu corpo, plantadas num tempo anterior.

Se eu te dissesse que não lavo roupa direito, que comprei uma máquina de lavar mas não sei manuseá-la; que não consigo abrir um pacote de bolacha sem que todas caiam; que minha casa se equilibra entre uma nuvem e um rio; que em tempo de estio vivo a dormir na varanda invisível, de um tempo que para sempre se acaba...?

Se eu te dissesse que tudo em minha casa parece em ordem, mas dentro dos armários roupas tropeçam umas nas outras; dentro da geladeira comidas antigas se mortificam; dentro dos livros rosas esquecidas despontam soltas...?

Sou, no horóscopo chinês, "cabra" : não sei declarar imposto de renda. Não sei dirigir carro, nem bicicleta. Não sei assoviar, muito menos nadar. Não sei andar de salto alto, nem passar sombras nas pálpebras: meus olhos são nus, exageradamente, sem nenhum rímel; meus cabelos crespos enfrentam, ao vivo, o vento mais inóspito, sem nenhum charme, sem nenhuma esperança; mas meu corpo - mesmo sem filhos - perpetua minha espécie, feita de leite, germe, heranças.
 
 
 
 
 
 

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