sábado, 4 de junho de 2011















Rituais da Servidão
Rita Santana




A sua ausência.
Aturdida, arrasto poemas,
Ponho as sandálias dentro da geladeira,
Escovo os dentes com a torneira aberta,
Penso em abrir a agenda e falar com amigos:
Desisto!
Penso em subir montanhas,
Mas falta grana pra gasolina, falta passagem,
Falta coragem de ir.
As acácias da estrada caem e você não chega.
E eu não o quero mais, o meu amor morreu.

A sua ausência.
Guardei o sorriso no lixo do quintal,
Mas não o pus na porta,
Gari não levou.
O salário está no banco, curto
E os ovos olham meus olhos
Enquanto meu pensamento se debruça
Sobre a minha barriga grande:
Será que cresce?
E você chega nunca.

A sua ausência
Olha-me fingindo calma.
Estendo as palmas da mão sobre o peito,
E escorro pelo ralo da pia, pelo esgoto,
Sobrevivo de outras saudades, outros afetos.
O dente amarela e eu, da janela,
Canto Djavan, Chico,
E descomplico um pouco a alma.
Corro, corro, corro muito.
Deito no chão da sala,
Vejo tevê,
Gargalho.
Caralho!
Juro que esqueço!

Volto a servir-me em postas,
Costelas inteiras à mesa.
Atropelo o meu dia,
Meu namoro estraga por horas
Enquanto a Espera espera.
Imploro réplicas.
Retratos meus
Mofando em seus arquivos mortos.
Acendo incensos, acendo velas,
Acendo o meu senso de humor,
Vejo novelas.
Nas cenas, onde eu sou o galã
E você a mocinha.
Desconto!
Vingo-me!
Sou a vilã
Sou a Rita que levou o seu sorriso, quem dera!
Sou a Amélia, a Emília,
Sou a atriz, a bailarina,
Sou a menina.
A Carolina que você não viu.




Foto: Edgard Navarro/Montpelier

3 comentários:

  1. Rita, que coisa linda isso. Incisiva, três saltos triplos carpados no ar da poesia, visceral. Você me emociona e faz sorrir. Beijo na sua alma tão bunita. Moisés.

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  2. oi rita estive ausente,mas já estou de volta e melhorando.bom ver seus poemas,são anestésicos.

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  3. De um salto... vejo seu barco com tantas Ritas_ Carolinas!sempre intensamente Santana.Mil bjos

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