quinta-feira, 30 de dezembro de 2010







                                                                    CICLOS
                                                                             Rita Santana


Quero completar o tempo, o ciclo e o açúcar.
Chegar em casa mui tarde, feito criança perdida no carnaval.
Ouvir largos sermões, sem nada dizer,
Apenas que espio e calo.

E mais uma vez obrigar-me aos teus espólios,
Tua polidez de gado queimado, teu susto.
E mais uma vez ofertar-me
Aos teus gemidos de burro manso e cansado.

Antes, deixa eu completar a estação das cercas,
Deixa banhar-me no rio de mesmas águas,
E descobrir em cada elemento,
O teu mistério de ausência.
Arrebanha-me, velho bode Pã,
No teu pânico humano de existir.
E, se conseguires,
Alimenta-me esta fome em que feneço,
Desde os primeiros tempos.
Adianta o projeto de possuir meus vícios,
Acaricia, sem pena, a minha pele escura de negra dura e mole.
Consola o meu Karma de não ser reconhecida como sol,
E deixa minhas velhas queixas pra lá!
Vai levando meus lamentos como mimos de filha nova,
Vai ouvindo e esquecendo, beijando vez em quando.
Vamos esperar, juntos, a nova safra de cajus e siriguelas.
Esperemos, juntos, as flores da nossa rua cobrirem os muros.
Esperemos a hera espalmar-se
Sobre toda a parede que cerca a casa.
Esperemos o flamboyant crescer e ficar todo vermelho.
Vida toda é pouco pra quem ama.

 
Ilustração: Rita Santana

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