quinta-feira, 4 de novembro de 2010

O Nascimento de Uma Flor

O Nascimento de Uma Flor

Rita Santana

Aconteceu a primeira floração da minha Alpinia Zerumbet. Esperei quatro anos, enquanto regava e via crescerem suas folhas longas no espaço reservado para ela – em destaque – no jardim. Um jardim que poucos denominam jardim porque ele é feito de plantas que pegam, que vingam, apesar do desgaste do terreno. Plantas que me são dadas por minha mãe, quando vou a Ilhéus, outras foram compradas em tempos remotos, outras catadas nas estradas, nas ruas. Plantas que trago para casa porque peço uma mudinha a minha irmã, ou são arrancadas de uma parede, como as avencas, que sempre ficam intimidadas quando colocadas em vasos ou num cantinho quieto do terreno, posto que avencas são de natureza delicada e são desconfiadas, além de gostarem muito do silêncio. Dizem que não gostam do vento também.

O meu jardim é um quintal que construo com conversas, olhares, toques e sutilezas que somente nós entendemos. Levo o meu jardim comigo sempre, com as sensações que ele me causa: esperanças, frustrações, alegrias. Não há disciplina rígida, mas tenho um cuidado todo particular com ele.  Um quintal de sobreviventes. Há bromélias no meu quintal, mas não temos uma relação próxima, pois as formigas construíram moradia ao seu redor e eu evito chegar mais perto do que pode causar grandes dores.

Há quatro anos, numa locação do filme “O jardim das Folhas Sagradas” de Pola Ribeiro, eu e outras atrizes ganhamos de um moço da equipe algumas mudas. Elas , as mudas, não demonstravam muito o que seriam, mas ficamos felizes e entusiasmadas com o presente. Sabíamos, através da informação do rapaz, que era uma helicônia, e que daria uma flor. Plantei.

Foi um susto perceber que alguma coisa estranha nascia na minha velha companheira de quatro anos, enquanto ela se mostrava mais bonita, mais verde, mais falante aos meus olhos. Notara que a sua beleza enlanguescera, e que havia uma veemência no verde, um certo exibicionismo na largueza das folhas, um chamamento da natureza. Eram “inflorescências semi - pendentes” que nasceriam daquele mistério que despontava diante dos meus olhos, de forma tímida e hermética.

Ela estava grávida e me avisava o seu estado. Ela me dizia com toda a sua força que algo grave nasceria dela: uma flor.  Estou feliz. Eu estou vivendo esse momento com o ritual solene de acompanhar cada explosão da folhagem, o surgimento dos pequenos gomos brancos que me remeteram para a brancura de uma semente de cacau. Apenas o rosado nas extremidades parecia sugerir a abertura de pétalas convencionais, quando todo o movimento da planta o negava. Mas aquele rosado parecia ter um destino mais pomposo.

No princípio, imaginei que aqueles gomos consistentes não se abririam. Com os dias, vimos o desabrochar de um amarelo intenso, em forma de um receptáculo, claramente erótico e profundo. O vermelho derramando matizes brancos e toda a abertura de cada gomo, como bocas abertas a gritarem. Outros gritos podem ser vistos no contato direto com essas criaturas. Parecem vivas! Estão vivas! E nos acordam para a surpresa de cada manhã, no acompanhamento de nossas plantas e de nossas esperanças também. Hoje, por exemplo, a minha avenca ficou ressentida, sofreu e está em plena recuperação. O filme O Jardim das Folhas Sagradas deu-me uma flor chamada Colônia ou Alpínia Zerumbet, cujo desabrochar, nós acompanharemos juntos, testemunhando, apenas, a sua Beleza.

2 comentários:

  1. mulheres sempre ajeitam um canto pra ter e cuidar de suas flores, hein, poeta!
    beijos irmanados e vida longa à sua Barcaça!

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  2. Obrigada, Neuzza! Você me deu força e exemplo para essa secagem de sementes. Em breve, irei á Região do cacau, onde nasci, e trarei fotos das barcaças que estiveram muito presentes em minha infância. Beijos!Rita

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