domingo, 29 de janeiro de 2012

Bênção










BÊNÇÃO
 Rita Santana



Apeio o peito sobre a saudade que arde a carne,
Sem consolo possível no solo das desesperanças.
Herdei de meu pai pujanças, bravezas,
E de minha mãe a fragilidade animal das fêmeas.
Por isso tenho tudo!
Posso despregar o afeto como macho cansado faz,
Posso abandonar as armas, trêmula, porque morro.
Tenho grandes, pequenos e verdes medos,
Sou mulher de agora, de hoje,
Tenho hábitos de galo e caprichos de galinha.
Falta o dicionário farto em suas doações doces de fonemas,
De raízes, arcaicas presenças de verbo.
Doarei o dia à paz, ao abandono das preocupações.
Tratarei da poesia, minha parceira de demolições e alvenarias.
Quem me dera só ser, sem bruscas mutações,
Mas o corpo oscila na regularidade do ciclo.
Endoideço alguns dias porque virá a sangria
E entrarei no templo das penitências,
Fitando meu Deus com acusações humanas.
Sou esse fruto peco das diásporas,
Minha veemência é minha mordaça,
Assim têm sido meus dias de santa, casta, pacata,
Senhora de um Deus-homem.
Desacato porque sorvo substantivos, substâncias,
Essências de nomes, dores, fantasias.
Desacato porque sou poeta.
Tenho língua de fontelas, hildas.
Sou muito brava para donos
E afeita a clamores de desprotegidos.
Tenho tudo sob meu viaduto-castelo.
Sou rata e rainha.



 Foto: Rita Santana/ Poema do livro Tratado das Veias/2006.

3 comentários:

  1. Rita, que poema imenso! maravilhoso...

    "Desacato porque sou poeta.
    Tenho língua de fontelas, hildas."

    ainda bem :)

    beijos

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  2. Esse teu poema é mesmo abençoado por essa capacidade que
    possuis, por esse talento para usar as palavras e remexer
    em suas raízes seus diversos significados, e, ainda bem que
    estás sujeita a bruscas mutações, porque assim é a vida:
    imprevisível e surpreendente, cheia de ciclos e de mudanças!

    um beijo, querida, tô com saudades de tu :)

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  3. Beijos, Meninas! Grata pela acolhida! Estamos juntas!

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